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Dez 11

Nascidas no meio do imenso Atlântico, as ilhas Açorianas não negam a sua origem vulcânica, bem patente na formação da Lagoa das Sete Cidades e da Lagoa do Fogo, na Ilha de São Miguel, a própria Ilha do Pico, o Caldeirão na Ilha do Faial.

Com uma actividade sísmica permanente, os Açores têm sofrido algumas erupções ao longo dos séculos, com destaque para os anos de 1563, no Pico do Sapateiro, e 1620 no Vale das Furnas, na Ilha de São Miguel; 1672 o Capelo, na Ilha do Faial; 1720 na Ilha do Pico; 1808, a Nazelina, na Ilha de São Jorge e novamente no Faial com o Vulcão dos Capelinhos em 1957, já para não  falar nas erupções submarinas.

Mas as suas ilhas têm sido também palco de violentos terramotos. Em 1522 a Vila de Praia de Âncora, em São Miguel, foi destruída. No ano de 1841 foi arrasada a Vila da Praia na Ilha Terceira. Alguns anos mais tarde em 1852 foi a vez de Ponta Delgada. Já mais recentemente lembramos o terramoto, que em 1980 danificou grande parte da cidade de Angra do Heroísmo.

O que nos traz à conversa hoje, mais propriamente à escrita é o terramoto de 1841 que assolou de forma dramática a cidade de Vila da Praia, reduzindo-a a um monte de ruínas, desalojando os seus habitantes, deixando-os  numa situação de extrema penuria e miséria.

O primeiro documento emitido pela Corte sobre o assunto, sai do Paço de Sintra, assinado pelo Barão de Tilheiras, com  data de 5 de Julho e refere-se-lhe nos seguintes termos: por occazião das repetidas oscilações terrestes, que ali se sentiram desde o dia 12 de Junho próximo passado, a que se seguio o espantozo terremoto, que teve logar no dia 15 e que destruio e arruinou completamente a Villa da Praia, produzinddo ao mesmo tempo gravíssimos estragos na Villa de S. Sebastião, em todas as povoações que ficam a leite entre esta ultima Villa e as Lages; do que resultou ficarem os habitantes de todas essas povoações reduzidos á maior consternação e miséria, pelos inormes prejuízos que sofrerão com o total desbarato das suas propriedades, e perdas de todos os objectos de uso domestico.

D. Maria II decretou e Joaquim António de Aguiar, tomou medidas de auxílio que se obterão da generosidade, filantropia e gratidão do Povo Portuguez generosidade de que são credores os habitantes da mencionada Ilha pelos apurados sacrifícios e muitos valiosos serviços, que prestárão em prol da Liberdade e da Independencia Nacional.

Determina, em nome desse auxílio, que em cada capital de distrito administrativo se estabelecesse uma comissão de cinco membros nomeadas pelo Administrador Geral respectivo, de entre cidadãos de mais reconhecida probidade, zelo e filantropia, de onde sairia o presidente e o secretário. O objectivo era angariar fundos para ajudar os açorianos a reconstruir as suas casas, as suas vidas.

A esta onda de solidariedade e auxílio respondeu a cidade de Leiria.  Em 12 de Julho, reuniram, no Paço Episcopal, os membros nomeados pelo Administrador Geral, José Crisóstomo Pereira Barbosa, Vigário Capitular e Governador Temporal da Diocese (eleito presidente), José de Faria Gomes e Oliveira, João Pessoa de Amorim, Luís Henriques d’Azevedo e António de Abreu Couceiro (eleito secretário). Estava assim constituída, a Comissão do Distrito de Leiria, que de imediato estabeleceu comissões filiais em todos os concelhos. Nas freguesias era aos párocos que cabia angariar fundos junto dos seus fregueses.

O reino atravessava um período difícil com o amargo sabor de uma guerra civil, que trouxe insegurança política, perseguições, surtos de movimentos de guerrilha, vandalismo, destruição, pobreza e desolação.

O aumento da décima e outros tributos, e também os invernos rigorosos e as consequentes más colheitas, provocaram nas populações, enormes dificuldades de subsistência evidenciando, por isso, a falta de condições para colaborar na acção desenvolvida. Azoia, Carvide, Cortes, Maceira, Monte Real, foram as freguesias de Leiria a manifestarem a sua total impossibilidade.

Outrossim de Monte Redondo informava o pároco, que os seus paroquianos não se sentiam devedores da ilha pela atitude tomada durante a guerra civil: vi má dispozicão nos ânimos dos póvos, que se achavam muito onerados com fintas, e tributos.

De Pedrógão Grande, apesar de todas as diligências da sua comissão filial, não conseguiram obter donativos, nem por altura da colheita da azeitona. Também Chão de Couce informou que os seus habitantes estavam condicionados aos rendimentos das colheitas dos seus frutos. Só um ano mais tarde conseguiu reunir alguns donativos.

Alcobaça, Alvaiázere, Batalha, Caldas, Óbidos, responderam de forma satisfatória. Produtos como milho, trigo, cevada, vinho, favas entre outros, eram donativos, que depois de vendidos, acresciam aos donativos em dinheiro.

Em 10 de Setembro já o presidente da Comissão de Leiria tinha em mãos 144$000 reis, disponíveis para serem entregues ao Administrador do Tabaco em Leiria, o meio de remessa utilizado, para o efeito, a pedido do Marquês do Faial, presidente da Comissão de Lisboa.

Todo este processo se prolongou por largos meses, com algumas insistências das Comissões. Várias quantias foram obtidas durante o ano de 1842 e uma última entrega em Maio de 1943, de São Martinho do Porto.

Não apurámos o montante dos donativos conseguidos no nosso distrito, nem esse era o nosso objectivo. Quisemos sublinhar tão só, que apesar de o oceano de permeio, a solidariedade, o espírito de entreajuda, a cooperação entre leirienses e açorianos, tem sido uma constante, como já ficou demonstrado por diversas vezes, na nossa História.

Fontes: Fundo do Governo Civil de Leiria, incorporado no Arquivo Distrital de Leiria

PT/ADLRA/AC/GCLRA/D/031

publicado por Ana Bela Vinagre às 19:27

 

A memória histórica de um país está no património que se conserva. Monumental, artístico, musical, fotográfico ou documental.

Conhecer essa memória passa não só pela conservação, mas pela organização e divulgação desse mesmo património. Neste contexto e no que se refere ao documental, a nossa experiência tem sido bastante gratificante e tem-nos permitido acrescentar alguns dados novos à história da nossa região.

Foi o caso da Casa do Distrito de Leiria, cuja documentação a partir de 1997 passou a fazer parte do espólio do Arquivo Distrital de Leiria. O trabalho de identificação e organização que desenvolvemos, deu-nos a conhecer uma associação, fundada em 1938 que funcionou na capital, que surgiu de um apelo do então Presidente da Câmara de Leiria, a uma comunidade de leirienses residentes em Lisboa, constituída por pessoas influentes e bem colocadas política, social e economicamente, provenientes dos mais diversos sectores profissionais. Médicos, advogados, notários, oficiais militares, engenheiros, comerciantes, banqueiros, professores, funcionários públicos, escritores, jornalistas, artistas entre outros.

Reuniu pela primeira vez uma Comissão organizadora em 8 de Fevereiro de 1938 no 3º andar do nº 126 da Avenida Duque de Loulé em Lisboa. O Clube dos 100 à Hora foi utilizado também pela referida Comissão até ficar definitivamente instalada na Rua Nova da Trindade no 2º andar do Nº 18, nas dependências da Associação dos Amadores de Música de Lisboa. Teve os seus estatutos aprovados em 21 de Novembro de 1938 por alvará do Governo Civil de Leiria.

Foi o seu primeiro presidente O Contra-Almirante Joaquim de Almeida Henriques, notável pela acção que desempenhou na Marinha e a figura principal do arranque inicial da actividade desta agremiação.

Manteve desde o primeiro dia uma intensa actividade cultural, uma interventiva acção social e uma sistemática pressão junto do poder político. Entre conferências, serões culturais, exposições, bailes, excursões, homenagens, a Casa foi também mentora do I e II Congressos das Actividades do Distrito de Leiria. Esteve ainda na origem da resolução de problemas e situações que muito contribuíram para o progresso da sua região. Cessou em 1953.

Foram suas congéneres, entre muitas outras, a Casa do Alentejo, a Casa de Entre Douro e Minho, a Casa de Lafões, a Casa de Coimbra, Casa das Beiras, a Casa de Tomar, a Casa dos Açores.

Estas agremiações constituíam-se no seio de comunidades regionais, residentes em Lisboa, tendo por base a convivência dos seus patrícios, a divulgação dos seus valores, costumes, riquezas e a defesa dos interesses da sua região, junto do poder político do Estado Novo. Era o regionalismo a acordar reagindo à reforma administrativa consignada no Código de 1936.

A união destas associações, num total de 25000 sócios, deu origem a um movimento do qual nasceu o Conselho Superior do Regionalismo Português, que actuava como uma Federação de todas as Casas Regionais, actuando em sua defesa e representação

As relações entre estas associações eram cordiais e bastante salutares. Convidavam-se a participar das iniciativas de cada uma delas, promoviam sessões e eventos alusivos às regiões das outras Casas.

De entre a documentação da Casa de Leiria recolhemos um convite da Casa dos Açores  datado de 4 de Fevereiro de 1941, que passo a transcrever: Realizando o Sr. Dr. Pedro de Aguiar, ilustre Director dessa Casa, uma conferência no próximo dia 8 do corrente, pelas 22 horas na sede da Casa dos Açôres, sob o titulo “As duas ilhas pequeninas” muito nos honraria V. Exª. com a sua presença e bem assim os restantes Directores da Casa de Leiria. Os sócios da vossa Casa, que queiram assistir, podem faze-lo mediante a simples apresentação do seu bilhete de identidade. À conferência segue-se baile e o traje é de cerimónia. Aproveito o ensejo para endereçar a V. Exª. Os protestos da mais elevada consideração e subscrevo-me. É assinado pelo presidente da direcção Francisco Soares de Lacerda Machado.

No espírito de troca e partilha, as Casas enviavam, anualmente, umas às outras, cartões de livre entrada, para os diversos eventos que organizavam. A exemplo, em 2 de Março de 1951 a Casa do Distrito de Leiria envia à sua homóloga dos Açores, o seu cartão. Assina o presidente da direcção José Rodrigues de Matos.  

Continuamos a constatar que as relações entre Leiria e os Açores são de longa data e que os laços de amizade e cooperação se têm revelado profícuos e de grande significado para as duas regiões.

São estas associações fontes documentais interessantíssimas e a Casa dos Açorespoderá será também, um manancial de surpresas que valeria a pena conhecer.

publicado por Ana Bela Vinagre às 19:13

No seguimento do post anterior não resisti a trazer e apresentar uma pessoa, praticamente desconhecida, nos dias de hoje, mas que desempenhou e teve uma acção importantíssima no meio social leiriense no início do séc. XX. Refiro-me a  Maria Laura Lopes Vieira Oliveira.

Filha de Dr. Adriano Xavier Lopes Vieira  e de Ana Bárbara Charters d’Azevedo Lopes Vieira, nascida em Leiria a 7 de Agosto de 1878, bem cedo se começou a distinguir pelo seu carácter pouco vulgar. Apesar de apresentar um ar altivo, era de uma simplicidade e de uma bondade sem limites. Afável com todos, ricos ou pobres, tinha contudo, uma tendência e uma preferência natural para ajudar e resolver os problemas dos mais carenciados, fosse de forma moral ou material.

Estava sempre disponível para organizar festas de beneficência, integrar comissões associativas de forma altruísta, que a sua actividade e prestígio enriqueciam.  Quando algum conflito se revelava ou censuras e críticas malévolas se manifestavam, Laura, com o seu bom senso e nobreza de sentimentos,  com inteligência e rectidão, resolvia-os de forma assertiva e consensual.

Seguia os preceitos religiosos de forma convicta com uma fé inabalável, mas longe de fanatismos.

Em família era considerada um modelo, uma “fada do lar”, era o centro, a responsável pelo ar saudável e repousante que se respirava no seu lar. Recebia com elegância e simpatia. Sempre disponível para quem lhe pedia conselhos, fossem familiares ou pessoas mais afastadas. Cuidar, proteger era uma constante da sua vida.

Apesar de sempre muito ocupada, dedicava alguns momentos à pintura. Era considerada talentosa, mas a sua modéstia não permitia exibi-la, cingindo a sua arte apenas à decoração da sua casa.

Senhora das mais ilustres da alta sociedade leiriense, era casada com o Dr. Luís José da Câmara Oliveira,  e teve a fatalidade de falecer bastante nova, no verão de 1918.

O comércio encerrou em Leiria, no dia do seu funeral. As pessoas mais representativas da cidade, de todas as classes sociais, associaram-se à família enlutada.

Tem descendentes, que residem em Leiria, que como ela, têm prestigiado a nossa cidade:  Drª. Laura Dias, ilustre professora de matemática e Dr. Tomás de Oliveira Dias,  funcionário público, advogado e administrador de empresas, dedicado a causas públicas.

Tivemos o “nosso primeiro contacto” quando organizávamos o acervo documental da Cruzada das Mulheres Portuguesas em Leiria, depositado no Arquivo Distrital de Leiria e a encontrámos como presidente da associação.

Hoje e porque já passou quase um século sobre a sua existência, Leiria deve recordá-la e dar a conhecer o seu trabalho, o seu carácter, a sua individualidade e a sua imagem.

 

 

 

publicado por Ana Bela Vinagre às 18:20

22
Dez 11

Recuamos aos primórdios do séc. XX e ao começo da 1ª Grande Guerra. Na sequência deste conflito e a pensar nos nossos territórios em África, cobiçados pela poderosa Alemanha, Portugal decide aderir ao apelo dos nossos aliados com um Corpo Expedicionário Português (CEP), juntando-se às tropas aliadas, sob o comando de uma brigada inglesa, em Flandres, onde permaneceram longos meses, em condições adversas e debaixo de bombardeamentos sistemáticos.

De imediato nasceu em Lisboa um movimento liderado por Elzira Dantas Machado, mulher de Bernardino Machado, então Presidente da República, denominado A Cruzada das Mulheres Portuguesas, cuja missão era prestar assistência às vitimas de guerra, tanto aos combatentes como às suas famílias, com fins estritamente humanitários.

Sob a orientação da Cruzada de Lisboa, foram criadas Comissões por todo o país e Leiria não perdeu a oportunidade de se assumir cooperante e voluntariosa.

Para o efeito, foi convidada pelo Governador Civil de Leiria para presidir, Maria Laura Charters d’Azevedo Lopes Vieira de Oliveira, pelo seu carácter altruísta, inteligência, bom senso, que  constituiu uma comissão com Margarida Quadros Sampaio Rio, Maria José Pestana Cortez  Pinto, Maria Bárbara Bordalo, Sara Pires Campos de Azevedo Batalha, Maria de Anunciação Costa Santos, Ermelinda Cacela Gaio, Conceição Pereira dos Reis, Maria da Nazaré Teixeira da Silva, Aurora Gandra, Maria José Nogueira Jordão, Alcina Barreto Pereira dos Reis, Constantina Falcão Barbosa, Maria Henriqueta Mascarenhas e Mesquinha.

Com esta comissão colaboraram muitas outras mulheres leirienses,  associando-se com elevado espírito de solidariedade e amor ao próximo, conscientes que a sua acção  seria imprescindível. O objectivo era angariar donativos para fazerem face às principais necessidades dos militares e das suas famílias, em especial as mais carenciadas e dotá-las de bens essenciais, nomeadamente roupa e calçado.

Primeiramente e para obter os primeiros recursos materiais deliberaram obter cotizações através de associados. Desenvolveram acções diversas para angariar receitas desde sessões animatográficas,  no Teatro D. Maria Pia, com sessões de cinema, quermesses no Jardim Público, eventos culturais e outros.

Destaque para a ajuda que esta Associação prestou aos portugueses prisioneiros, na Alemanha onde eram miseravelmente mal tratados, ao enviar-lhes cobertores, camisolas e meias de lã, boinas, ceroulas, pois a falta de agasalho era um dos grandes sacrifícios a que estavam sujeitos.

Foram estas mulheres fontes de conforto como Madrinhas de Guerra ao escreverem cartas aos combatentes, tendo também por sua conta gerir a correspondência entre os militares e as famílias, a falta de notícias, receberem as suas reclamações, saber dos atrasos dos subsídios que os mais necessitados tinham direito a receber, etc.

Esta Subcruzada de Leiria nasceu a 6 de Maio de 1916 e cessou a sua actividade em Junho de 1919. Enfrentou algumas situações complicadas mas a que mais a marcou foi o falecimento da presidente Maria Laura Lopes Vieira e Oliveira, figura de destaque no meio social leiriense, que deixou um grande vazio nas actividades de carácter social e em diversas organizações, prestigiando-as.

Foi então substituída por Margarida Quadros Sampaio Rio.

Para mais informação a Folheto Edições & Design publicou A Cruzada das Mulheres Portuguesas de Leiria, da autoria de Ana Bela Vinagre. Leiria, 2008.

publicado por Ana Bela Vinagre às 22:19

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