Não conheci o Dr. Serafim, mas tenho ouvido relatos sobre o seu carácter e o seu profissionalismo e como se dedicou aos flagelados pela tuberculose. Um dia, compulsando o jornal “Região de Leiria”, chamou-me a atenção a descrição do seu falecimento. Notícia de primeira página do nº 1385 de 11 de Julho de 1964, não resisti a transcrevê-lo hoje aqui.
“Dr. Serafim Lopes Pereira – um Bem que se perdeu
Naquela rútila manhã de domingo 28 de Junho, uma notícia, triste e bem dolorosa, ensombrou o coração dos leirienses e logo toda a cidade mergulhou na mais profunda consternação. E quando uma terra manifesta assim o seu sentimento de dor, algo de grande e de forte a levam a fazê-lo E, não há dúvida, acabava de desaparecer do plano terrestre Alguém que pelos revérberos do seu coração, pelo humanismo do seu carácter e pela pureza das suas convicções, lhe merecia todo o respeito e infinda consideração. E nunca foi tão expresso esse sentimento como o causado com a morte do sr. Dr. Serafim Lopes Pereira.
Alma cheia de amor ao próximo, coração aberto a todos os sofrimentos humanos, apaixonado admirador dum ideal nobre e generoso, o sr. Dr. Serafim era um conjunto de si próprio: impulsivo, mas sincero e bom. É que quando alguns o viam desbravado e agreste, os mesmos e outros o divisavam manso e humilde no seu benfazer. Eram mundos além dele: o imperativo do seu temperamento. Mas, ao cabo e ao fim, quem com ele privava o adivinhava um Bom por dentro e por fora.
Médico distinto e emérito especialista de doenças pulmonares, muito considerado no país e no estrangeiro, onde nos vários congressos a que assistia as suas teses eram sempre escutadas com interesse e respeito, uma das maiores facetas da sua vida profissional era o carinho que dedicava aos seus doentes e especialmente o desinteresse e abnegação com que tratava os pobres. Fazia tudo para amenizar o sofrimento dos que lhe estavam confiados. (…)
O sr. Dr. Serafim não precisa do nosso dó, como tristemente precisam os egoístas e os maus, os nulos que morrem deveras ao abandonar a terra, porque, se deixam os corpos entregues aos vermes, despenham as almas sinistras nos abismos que criaram cm as suas qualidades negativas.
Não partiu com remorsos de ter deixado de fazer todo o Bem que podia – o que é mais do que praticar a trivial caridade. Foi sinceramente modesto e, por isso inteiramente digno.
Foi abnegado, sem reclamo. Foi austero sem intolerância. Não teve medo do contacto com os desgraçados, porque foi principalmente a esses que auxiliou, amparou e fortaleceu. Usou poderosamente da inteligência, do saber, da força de vontade, mas sem nunca deprimir o sentimento, as aspirações ardentes do coração, os impulsos duma piedade que jamais rebaixava ninguém com lágrimas hiperbólicas, antes a todos dignificava, alentava e remia.
Quem conheceu o sr. Dr. Serafim Lopes Pereira, diga-se o que se disser, não aceita que ele, no despertar da morte, se haja transfigurado na rigidez e robustez do seu carácter. Quem assim o fizer constar, só pretende macular a sua memória, talvez com fins preconcebidos.
Do seu funeral, já aqui se disse o bastante para se avaliar da sua grandeza e do inconfundível testemunho de gratidão ao saudoso finado.
Morreu o sr. Dr. Serafim… Oh Pobreza, minha irmã, chora…. R. A.”
Ainda hoje muita gente o recorda com saudade e bem podia ser um exemplo a seguir por muitos dos médicos de hoje, que por vezes vivem mais os cifrões que a sua própria vocação.